EDITORIAL

Na paisagem urbana que decora e pontua, o quiosque não é um local de encontro mas de consumo apressado e displicente. Não é sequer um lugar mas antes, na sua existência sígnica — periódicos & dinheiro —, uma versão plausível dos não-lugares em que se (des)faz a urbe contemporânea.

Ciberkiosk instalou-se nessa paisagem em Março de 1998 e, pelo menos para aqueles que desde então o dirigiram (Américo Lindeza Diogo, António Apolinário Lourenço, Fernando Matos Oliveira, Osvaldo Manuel Silvestre, Pedro Serra), as coisas não voltaram a ser as mesmas. Por um daqueles estranhos fenómenos em que o cibermundo é fértil, este kiosk tornou-se um ponto de encontro de muito mais gente do que alguma vez pudéramos suspeitar. O seu crescimento regular e exponencial, em colaboradores, ideias e visitantes, acabou por fazer dele um dos mais notórios não-lugares da net escrita em português (mas também em espanhol, em catalão, em francês ou em inglês). Um «albergue espanhol», dir-se-ia noutros tempos; um albergue virtual, dizemos agora, aceitando contudo a caótica liberalidade do modelo espanhol. Por outras palavras, Ciberkiosk marcou a paisagem e demonstrou, a todos os cépticos, a bondade de todos os itens do seu programa. A saber: que a net é um meio insuperável quando se trate de sublimar a pobreza de uma cultura material como a nossa (dos directores de Ciberkiosk, bem entendido, mas também a dos portugueses em geral); que as Humanidades nada perdem neste casamento com o cibermundo, que à partida lhes oferece o palco global de que as culturas periféricas tanto necessitam e que não lhes está a priori vedado; que as mesmas Humanidades, as Artes, etc., não podem deixar de somatizar esse casamento, desde logo pensando e interiorizando o virtual e o digital; finalmente, que nada é eterno nem fatal, como certos espíritos mais medíocres tanto gostam de argumentar entre nós.

Assim, não era e não é fatal que nos tenhamos de sujeitar à cultura corporativa de coisas tão velhas como o JL. Não era e não é fatal que tenhamos de pedir a benção aos budas sentados da nossa cultura doméstica. Não era e não é fatal que nada se possa fazer sem os apoios que certas instituições, e os seus komissários, prodigalizam.

Contudo, e como antes se disse, nada é eterno e Ciberkiosk nunca se desejou tal. No juízo dos seus directores (que não no dos seus colaboradores e leitores), é altura de pôr um ponto final nesta história. Uma bela história, diga-se, da qual nos ficará não apenas a melhor das recordações, mas sobretudo uma outra rede, sobreposta àquela que nos permitiu existir e insistir ao longo destes 4 anos: uma rede de colaboradores e amigos, uma pequena-grande comunidade discursiva que seguramente se não dissolverá e engendrará novas formas de intervenção neste ou noutros espaços públicos.

Resta-nos pois agradecer: aos nossos colaboradores mais directos e empenhados, que sempre trabalharam graciosamente para o enriquecimento deste kiosk; aos colaboradores pontuais, que num momento ou noutro fizeram questão de nos enviar textos especificamente para o Kiosk; aos nossos leitores fiéis, cujas sugestões acolhemos; às editoras que nos enviaram livros que, na medida das nossas capacidades, fomos recenseando; a Francisco Romão, responsável pelo grafismo da página; e a Juliana Goto e Leonardo Opitz, nossos webmasters.

A título de modesta retribuição a todos os que o foram fazendo, Ciberkiosk irá permanecer on line e, como até aqui, com acesso gratuito, por tempo indefinido. Qual monolito numa paisagem efémera, entre a letra e a imagem, a imediação sensorial das matérias e a espectralidade das linguagens: as nossas, as não-nossas, todas as que se acolhem a esse Kiosk que há quatro anos Enzensberger nos incitou a abrir e a que regressamos, sem fechar uma porta que aliás não existe:

O que têm sob os olhos,
minhas senhoras e meus senhores,
este bulício,
são letras do alfabeto.
Peço desculpa.
Peço desculpa.
Decifração complicada,
Eu sei, eu sei.
Uma impertinência.
Tê-lo-iam preferido audiovisual,
Digital e a cores.

Mas os que levam a virtual reality
de facto a sério,
digamos, por exemplo:
Percorresses tu de novo montes e vales,
ou: jamais tão só,
como em Agosto, ou ainda:
A noite estende o seu manto,
Esses satisfazem-se com pouco.

Vinte e seis
destes bailarinos a preto e branco,
mesmo sem placa gráfica
ou CD-ROM,
um lápis como hardware ¾
nada mais.

Peço desculpa.
Desculpe-me, por favor.
Não queria ser inoportuno.
Mas sabe como são estas coisas:
Há os que não perdem o hábito.

Hans Magnus Enzensberger, in Kiosk (1995)